Alguns anos atrás, a secretária da arquidiocese de Salvador, na Bahia, quase caiu da cadeira ao atender o telefone. Do outro lado da linha, a voz com sotaque portenho disse:
O mundo enfrentava a pandemia de coronavírus, e o Pontífice havia ligado para saber como estava a saúde do arcebispo soteropolitano, Dom Sérgio da Rocha, que havia contraído covid-19 poucos dias antes. O telefonema era um indício da afinidade construída ao longo dos anos entre os dois religiosos — e que, agora, ajuda Dom Sérgio a ser apontado como o cardeal brasileiro com mais chance de se tornar sucessor de Francisco.
— Eles tinham uma relação de muita intimidade, e o Papa confiava muito em Dom Sérgio — conta o padre Alberto Montealegre, reitor do seminário São João Maria Vianney, na capital baiana.
Nos últimos dias, o nome do arcebispo ganhou impulso e passou a figurar em algumas listas de favoritos ao posto de Papa, como a do diário francês Libération. Uma das razões para isso é justamente a proximidade pessoal e doutrinária com o argentino Jorge Bergoglio, com quem também se assemelhava pelo bom-humor.
— Nas reuniões com cardeais, se Francisco estava rindo, quase sempre era por algo que Dom Sérgio havia dito — revela o reitor.
Dom Sérgio integrava o Conselho de Cardeais, chamado informalmente de C9 por ser composto por um grupo seleto de nove cardeais com a missão de aconselhar o líder da Igreja Católica em assuntos diversos. Além disso, como arcebispo de Salvador, diocese mais antiga do país, é classificado como “cardeal primaz” do Brasil, posição de destaque na hierarquia eclesiástica.
— Como membro do C9, inicialmente Dom Sérgio aconselhou o Papa na reforma da Cúria, e depois no governo da Igreja em todo o mundo — complementa Montealegre.
A posição estratégica no coração do Vaticano é um dos pontos favoráveis para o cardeal brasileiro no conclave, embora, até o momento, não figure entre os favoritos citados com mais frequência pelos especialistas nos bastidores católicos. Outro trunfo do religioso de 65 anos, nascido em Dobrada no interior de São Paulo, é sua postura pastoral marcada pela humildade e pela dedicação aos mais necessitados — outra marca que o aproxima do legado de Francisco.
— Quando convida para almoçar, o próprio Dom Sérgio serve a mesa. Ele gosta de estar próximo do povo, leva no coração essa perspectiva missionária que faz questão de mandar enviados para onde há mais necessidade, às periferias — diz Montealegre.
Associado a um perfil mais progressista da Igreja, o cardeal teve uma ascensão rápida na hierarquia religiosa. Foi nomeado bispo auxiliar de Fortaleza em 2001, arcebispo de Teresina em 2007 e, quatro anos depois, Arcebispo Metropolitano de Brasília ainda sob comando de Bento XVI. Em 2016, Francisco o elevou à condição de cardeal e, desde 2020, é o arcebispo de Salvador. Também foi presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) entre os anos de 2015 e 2019. Agora, está cotado para subir mais um degrau no organograma eclesiástico.
Outro brasileiro é visto como “zebra”
Além de Dom Sérgio da Rocha, outro cardeal brasileiro ganhou algum impulso nos últimos dias como possível candidato — ainda que seja considerado uma zebra, ou seja, alguém que teria de superar prognósticos desfavoráveis para vencer.
Ex-arcebispo de Maringá e de Brasília, Dom João Braz de Aviz, natural de Mafra (SC), 78 anos, também é visto como alguém de perfil mais progressista e, da mesma forma que Rocha, partilhava da amizade de Francisco. Por vezes, ambos assistiam à jogos de futebol juntos.
Foi prefeito do Dicastério para a Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, posto que acabou posteriormente assumido, pela primeira vez, por uma mulher por decisão do antigo Papa.
GZH