O Inter é uma entidade com origens populares e orgulha-se disso. Porém, ironicamente, os seus principais dirigentes, normalmente, não são. O direito de postular o cargo mais importante do clube, em geral, é uma prerrogativa concedida a quem tem muito dinheiro ou, em alguns casos, passado de geração em geração, como se fosse um direito aristocrático. Não é o caso de Alessandro Barcellos. O presidente do Inter há quatro anos é filho de uma família de classe média baixa, frequentava a antiga Coreia do Beira-Rio e chegou ao cargo após uma série de coincidências.
A origem mais modesta do dirigente veio à tona quando foi divulgado o vídeo com os bastidores da conquista do título gaúcho. Na preleção feita antes do jogo no Beira-Rio, Roger Machado tirou do bolso um pedaço de rede da final do Estadual de 1991, também vencido pelo Colorado, que era guardado como relíquia pelo presidente. Ergueu o emaranhado de cordões diante dos jogadores e bradou: “Para mim, isso vale a história. É isso que eu quero! Eu quero um pedaço dessa rede no final do jogo! Não interessa o tamanho da conquista, ela é grande para a gente.”
De fato, a rede era um troféu para Alessandro Barcellos. Ele estava na Coreia naquele 15 de dezembro de 1991, quando o Inter empatou com o Grêmio por 0 a 0 e faturou o título gaúcho, interrompendo uma sequência de seis conquistas do rival. “Algumas pessoas mais corajosas do que eu pularam o fosso e subiram para o gramado. Elas foram generosas, buscaram as placas de publicidade e as colocaram sobre o fosso, montando uma ponte para quem ainda estava na Coreia”. O hoje presidente subiu ao campo para comemorar junto com centenas de outros torcedores: “Tinha que levar uma recordação. Estava todo mundo indo para as redes. Eu fui até a goleira do placar, consegui um pedaço para mim e levei para casa”, lembra o presidente, segurando o “troféu”.
Porém, o pedaço de rede jamais tinha sido usado. Estava guardado. No dia do Gre-Nal decisivo deste ano, no Beira-Rio, Barcellos buscou o objeto adormecido e colocou no bolso. “Vai dar sorte”, pensou. Quando chegou ao hotel usado como concentração pelo clube, encontrou Roger caminhando de um lado para outro, em busca das palavras que seriam ditas aos jogadores na palestra. Contou o episódio vivido tantos anos antes e como guardava o pedaço de rede como um troféu. Juntos, olharam imagens daquela comemoração de 1991 no YouTube e o assunto morreu por alguns minutos.
O técnico pensou um pouco mais e interpelou o presidente mais uma vez: “Presidente, o senhor me empresta a rede?”. Barcellos colocou a mão no bolso. “Me devolve. Quero que esteja comigo durante o jogo”, respondeu. E assim foi feito. Roger usou a relíquia na palestra, mostrando aos jogadores, muitos deles acostumados a títulos muito maiores, que o Gauchão era importante. O pedaço de rede, guardado há mais de 30 anos, era a prova cabal da relevância da conquista.
ORIGEM
O hoje presidente campeão gaúcho nasceu há 52 anos em Porto Alegre. É filho de Maria Gercy e Glamir, dois trabalhadores. Tem apenas um irmão, mas foi criado próximo de tios e primos, todos colorados, no bairro Menino Deus, em Porto Alegre. Desde pequeno, não saía do Beira-Rio, levado por parentes, mesmo que fosse preciso estar na Coreia, setor do estádio onde a torcida ficava em pé, fechado no início dos anos 2000, para o qual o ingresso era mais barato. A lembrança mais antiga que tem no estádio é do título brasileiro de 1979. “Meu tio me levou na cacunda (sob os ombros). Comemoramos assim”, lembra.
Depois, adolescente, frequentou o Parque Gigante e tentou ser jogador. Abandonou o sonho aos 16 anos, quando um treinador das categorias de base do Inter o aconselhou a procurar outro objetivo na vida. Estudou em escola particular graças a uma bolsa de estudos no ensino fundamental, passou nos exames e foi para o Colégio Militar, onde concluiu o então segundo grau. Foi estudante de Química na UFRGS, mas formou-se em administração em uma instituição privada. Depois, fez pós-graduação em gestão da inovação.
Na vida profissional, foi representante comercial de sapatos e sabão. Depois, cansado das frequentes viagens que o ofício de representante impunha, ingressou no serviço público trabalhando em diversas funções. Primeiro, entre 1996 e 1998, atuou no Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), depois na Assembleia Legislativa. Em 2011, foi convidado para ser o presidente do Detran. Dois anos depois, tornou-se secretário de administração do governo Tarso Genro. Foi então que o Inter deixou de ser apenas uma paixão.
“O presidente Giovanni Luigi precisava destravar a cedência do terreno de Guaíba, que era minha responsabilidade como secretário. Ele me ligava muito para resolver aquilo. Depois, devido a boa relação criada, me convidou para ser conselheiro”, lembra. Em seguida, foi vice-presidente de administração, finanças e de futebol na gestão de Marcelo Medeiros (2017/2020). No segundo semestre de 2020, foi lançado por três movimentos na eleição que ocorreu no final daquele ano e acabou eleito. Três anos mais tarde, foi reeleito e, agora, conquistou seu primeiro título como dirigente.
“O Inter não muda. Desde que eu tinha 8 anos, ele está na minha vida. E assim é com um monte de gente, porque o futebol aproxima as pessoas. Quando o Inter faz um gol, o desembargador abraça o faxineiro. E quando perde, ambos ficam bravos. Todo mundo é colorado. Não interessa o resto”, diz.
