Ao menos 20 mães de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), que vivem na Baixada Santista, foram surpreendidas com o cancelamento unilateral do plano de saúde Amil de seus filhos. Segundo o g1 apurou, nesta quarta-feira (8), a administradora de benefícios Qualicorp alegou que os contratos dos beneficiários com a operadora vêm “gerando prejuízo acumulado”.
Mães ouvidas pela equipe de reportagem explicaram que os planos de saúde são da modalidade coletivo por adesão. Isto é, a Qualicorp atua como intermediadora e administra os contratos com coberturas oferecidas pela operadora Amil, que recebe o pagamento.
Em nota, Qualicorp afirmou que a decisão pelo cancelamento do plano não partiu dela. Segundo a companhia, a operadora Amil exerceu um direito previsto em contrato e regulamentado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) (leia o posicionamento completo no fim da reportagem).
O pequeno Bernardo Barbosa, de sete anos, vive em Praia Grande (SP). Ele usa o plano de saúde há quase três para tratamento multidisciplinar, incluindo psicoterapia e psicopedagogia. Na noite da última terça-feira (30), a mãe dele recebeu o e-mail sobre a interrupção do contrato em 1 de junho.
‘Não querem nem saber’
Marcelle contou ao g1 que desde o ano passado escuta sobre a possível interrupção no plano de adesão. Agora que a decisão é oficial, ela procurou um advogado e entrou na Justiça para que o desenvolvimento do filho não seja prejudicado.
“O meu filho precisa de terapia, faz ABA [Análise do Comportamento Aplicada] 19 horas semanais, quatro vezes por semana, e tudo bem, ele não vai morrer por causa disso. Mas vai trazer um atraso extraordinário para a vida dele se ele não fizer as terapias”.
Assim como Marcelle, a moradora de Praia Grande Dayah Castro, de 39 anos, foi surpreendida pelo e-mail da Qualicorp na última terça-feira. Salomão Castro Silva, de 11 anos, também está no espectro e faz psicoterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional diariamente para manter o aprendizado.
“Esse tratamento não pode ser interrompido do dia para a noite. Um autista se desregula, ele vive à base de rotina. E como a rotina dele muda assim de um dia para o outro?”, questionou a corretora de planos de saúde.
“A gente sabe que, em hipótese alguma, eles poderiam cancelar esse plano por eles estarem em tratamento. Mas, enfim, eles não querem saber”, completou.
‘Ilegal e abusiva’, diz advogado
Apenas no último sábado (4), o advogado Marcelo Lavezo ajuizou 18 ações em nome de mães de crianças autistas da Baixada Santista. Há casos em diversas cidades, como Praia Grande, Guarujá, Santos e Peruíbe. Marcelle e Dayah o acionaram pouco após a notificação da administradora.
Ao g1, ele recordou que a Resolução Normativa da nº 195 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) diz que os contratos de planos privados coletivos por adesão só podem ser rescindidos sem motivo mediante notificação prévia da outra parte com antecedência mínima de 60 dias.
“Essa conduta vem sido caracterizada, reconhecida pelo Judiciário como abusiva. Porque a pessoa está no meio do tratamento, subentende-se que quando contratamos um plano de saúde é porque precisamos do tratamento. Então, se esse plano é cancelado no meio, é uma surpresa desagradável, no mínimo. Ilegal e abusiva”.
À Justiça, ele apresentou pedidos de liminares – decisões proferidas em caráter de urgência – para tentar reverter a situação e garantir a continuidade dos tratamentos.
O que diz a Qualicorp?
Em nota, a Qualicorp afirmou ter sido apenas comunicada pela Amil sobre o cancelamento dos contratos. A companhia acrescentou que, na condição de administradora de benefícios, enviou a carta de cancelamento aos clientes, cumprindo o prazo de comunicação com antecedência de 30 dias, de acordo com o contrato firmado entre as partes.
Por fim, a Qualicorp declarou que apoia os próprios beneficiários, disponibilizando informações e orientações sobre o exercício da portabilidade, conforme o portfólio disponível e regras de comercialização das operadoras.
O que diz a Amil?
Em nota, a Amil informou que está reformulando sua grade de produtos com modelos que assegurem qualidade da assistência e sustentabilidade dos contratos. Nesse contexto, a modalidade de planos coletivos por adesão, disponibilizada para plataformas denominadas administradoras de benefícios, foi revista.
Com isso, está em curso o cancelamento de um conjunto de contratos da Amil com administradoras de benefícios, especificamente os que demonstram desequilíbrio extremo entre receita e despesa há pelo menos três anos.
A Amil iniciou a comunicação da mudança às administradoras no dia 18 de março, reiterando que a manutenção das coberturas seguirá os prazos contratuais. As administradoras devem informar a decisão diretamente aos beneficiários.
A Amil ainda disse que a mudança está sendo realizada de acordo com as leis e normas vigentes e que avalia constantemente seu portfólio para garantir a melhor qualidade de atendimento a seus 5,6 milhões de beneficiários.
G1