A reconstrução mamária é um direito assegurado por lei no Brasil, mas a realidade está longe do ideal: somente entre 25% e 30% das mulheres que passam por mastectomia conseguem realizar o procedimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2021, cerca de 10 mil cirurgias de reconstrução mamária foram realizadas pelo SUS, incluindo tanto as imediatas quanto as tardias — números que revelam o grande desafio de acesso ao tratamento no país.
A Lei nº 12.802/2013 garante às mulheres brasileiras o direito à reconstrução mamária pelo SUS após a realização de mastectomia, seja ela parcial ou total. A legislação assegura que a reconstrução seja feita no mesmo ato cirúrgico da retirada do tumor, sempre que possível, ou em um momento posterior, caso necessário. Esse amparo legal visa não apenas restaurar a aparência física, mas também promover o bem-estar emocional e a recuperação da autoestima das pacientes, reconhecendo a importância do procedimento no tratamento integral do câncer de mama.
No entanto, apesar do avanço representado pela lei, muitas mulheres ainda enfrentam dificuldades no acesso ao procedimento, principalmente em regiões com menor infraestrutura médica. Segundo a cirurgiã plástica Marcela Cammarota, membro do Departamento Científico da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), o aumento gradual das cirurgias de reconstrução esbarra em barreiras estruturais. “O que vemos é que a taxa de reconstrução tem aumentado ao longo dos anos, mas ainda temos muitos desafios, especialmente relacionados à infraestrutura hospitalar e à falta de equipes especializadas em diversas regiões”, afirma a especialista.
Desigualdade regional
No Brasil, o número de mastectomias realizadas anualmente pelo SUS chega a cerca de 23 mil. Entretanto, há uma grande disparidade no acesso ao tratamento entre diferentes regiões do país. Marcela explica que, nas regiões mais desenvolvidas, onde há melhor orientação médica e infraestrutura, as pacientes têm maior chance de acesso à reconstrução mamária, o que nem sempre é possível em áreas mais carentes de recursos.
Em comparação a países como os Estados Unidos, o Brasil ainda realiza um número muito inferior de mastectomias e reconstruções. Nos EUA, de acordo com dados do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) e da American Cancer Society, são feitas entre 100 mil e 120 mil mastectomias anualmente, incluindo procedimentos preventivos.
Fatores que influenciam a reconstrução
Diversos fatores influenciam a decisão pela reconstrução mamária, desde questões socioeconômicas até preferências pessoais e condições de saúde. “Mulheres que têm acesso a planos de saúde, por exemplo, têm uma taxa de adesão de quase 98% à reconstrução, enquanto as pacientes do SUS enfrentam uma realidade de acesso bem mais restrito”, ressalta a cirurgiã. Além disso, fatores psicológicos como a autoestima e o impacto emocional são decisivos para muitas.
A médica Sirlei dos Santos Costa, cirurgiã plástica e mastologista, também reforça que o procedimento é muitas vezes essencial para a cura, especialmente quando o diagnóstico é precoce. “O tratamento do câncer de mama é multidisciplinar e varia conforme o caso. Em muitos diagnósticos, a cirurgia é o principal tratamento, podendo ser conservadora ou radical, dependendo do estágio da doença”, explica Sirlei. Em algumas situações, mesmo quando o tumor está presente em apenas uma mama, a mastectomia bilateral pode ser recomendada como medida preventiva.
Marcela diz que os avanços nas técnicas de reconstrução oferecem diferentes opções para as pacientes, como a utilização de implantes, retalhos musculares ou enxertos de gordura. Cada técnica é indicada conforme o tipo de mastectomia e a condição de saúde da paciente, sempre com o objetivo de devolver à mulher não apenas a forma física, mas também a confiança e bem-estar emocional.
Avanços e desafios
Embora o acesso à reconstrução mamária esteja crescendo, especialmente nas regiões mais desenvolvidas, o Brasil ainda precisa superar muitos obstáculos para garantir que todas as mulheres tenham acesso ao direito assegurado pela lei. “A reconstrução não é apenas uma questão estética, mas uma parte essencial do tratamento e recuperação de muitas pacientes”, conclui Marcela.
A reconstrução mamária, segundo Sirlei, vai muito além da estética, proporcionando às pacientes uma oportunidade de restabelecer a autoimagem e a autoestima. “A mama é um símbolo de feminilidade, e sua ausência pode afetar profundamente a autoimagem da mulher. A reconstrução mamária ajuda a restaurar não só a simetria do corpo, mas também a confiança emocional”, comenta.
Técnicas de reconstrução
Atualmente, existem diversas técnicas de reconstrução mamária, que variam de acordo com a condição de saúde da paciente, o tipo de mastectomia realizada e as preferências individuais. Entre as principais, destacam-se:
- Reconstrução com Implantes: utilização de próteses ou expansores de tecido.
- Reconstrução com Retalho Muscular: que pode ser feita com tecidos das costas (grande dorsal) ou do abdome (TRAM).
- Reconstrução com Enxerto de Gordura: uma técnica promissora ainda em estudo, que utiliza gordura retirada de outras partes do corpo para dar forma e contorno à mama.
Correio do Povo